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A guerra de interpretações em torno do áudio de Temer

24/05/2017 - 17h45

Peritos apontam manipulação na gravação feita pelo empresário da JBS e delator Joesley Batista, mas declarações posteriores do presidente confirmam trechos comprometedores. PF ainda analisa diálogo.

Assim que a Justiça retirou o sigilo do áudio envolvendo um diálogo entre o empresário Joesley Batista, da JBS, e o presidente Michel Temer, a imprensa brasileira foi tomada por uma guerra de interpretações envolvendo uma suposta manipulação do áudio. Apesar das dúvidas, a existência do diálogo em si não está sendo contestada. O próprio Temer também confirmou alguns dos trechos mais comprometedores em declarações posteriores.

As primeiras questões sobre eventuais edições no registro da conversa entre Temer e Joesley foram levantadas nos dias seguintes à divulgação do áudio. Na última sexta-feira (19/05), reportagem da Folha de S.Paulo, citando como fonte um perito contratado pelo próprio jornal, apontou que a gravação continha pelo menos 53 edições. Foi o início de uma série de versões.

No mesmo dia, reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, que citou outro perito, apontou que gravação continha pelo menos 14 “fragmentações”, ou pequenos cortes de edição. No sábado, o presidente Michel Temer citou o parecer encomendado pela Folha de S.Paulo para reforçar a sua versão de que estava sendo vítima de uma conspiração.

No próprio sábado, a rádio CBN, ligada às organizações Globo, entrou no tema. No início da gravação, registrada na noite de 7 de março, é possível ouvir que Joesley estava dentro de um automóvel que tinha o rádio sintonizada na CBN. Naquele momento, ele se dirigia ao Palácio do Jaburu.

Após o diálogo com Temer, é possível ouvir a rádio sintonizada mais uma vez, sugerindo que Joesley havia voltado ao automóvel. Segundo a CBN, o tempo decorrido entre os dois extremos da gravação  – 38 minutos  – coincidia com a transmissão do programa que estava sendo veiculado na rádio aquele dia. “A gente percebe que não teve edição”, disse um locutor da rádio.

No dia seguinte, foi a vez de diversos braços das organizações Globo contestarem a reportagem da Folha. Num episódio raro de ataque a uma reportagem de outro veículo, uma matéria do jornal O Globo pôs em dúvida as credenciais do perito contratado pela Folha, sugerindo que ele não passava de um amador. O texto disse que foram usados programas gratuitos de computador na perícia, e que o perito frequentava programas sensacionalistas na TV, nos quais comentava sobre a presença de fantasmas em fotografias.

O jornal também entrevistou o perito, que pareceu recuar das suas conclusões anteriores. As conclusões da reportagem também foram publicadas pelo portal G1 e veiculadas no programa Fantástico. A Folha voltou a falar com seu perito, que desta vez disse que suas declarações foram distorcidas pelo O Globo.

Também na segunda-feira, foi a vez de o site da revista Veja publicar que a gravação original tinha 50 minutos, e não 38, apontando que 12 minutos estavam faltando. A coluna Radar da revista apontou que os minutos desaparecidos incluíam Temer e Joesley conversando “sobre mulheres”.

Na tarde do mesmo dia, foi a vez de um perito contratado pela defesa de Temer apresentar suas conclusões. Ricardo Molina – conhecido desde os anos 1990 por sua atuação nos casos PC Farias e do massacre de Eldorado do Carajás  –convocou uma coletiva de imprensa e disse que a gravação tinha “excesso de vícios”. Tal como o perito da Folha, ele também afirmou que o registro da conversa passou por edições.

Ainda na tarde de segunda-feira, a CBN recuou de sua declaração anterior de que a gravação não parecia ter sofrido edição. Desta vez, a rádio informou que uma comparação mais minuciosa entre a programação e a gravação de Joesley apontou que faltam 6 minutos e 21 segundos no registro de Joesley.

Suborno de juízes

Apesar das dúvidas sobre modificações na gravação, há uma certeza: o diálogo continua a abalar o governo. O próprio Temer confirmou alguns dos trechos comprometedores, como o fato de ter ouvido Joesley afirmar que havia subornado dois juízes e um procurador da República.

O presidente, ao que tudo indica, não fez nada quando seu visitante lhe relatou um crime. Em entrevista à Folha de S.Paulo, Temer se fez de desentendido afirmando que Joesley era “um falastrão, uma pessoa que se jacta de eventuais influências”.

No áudio, quando Joesley falou sobre os subornos, Temer respondeu: “Ótimo, ótimo”. Posteriormente, quando questionado por jornalistas se isso não seria prevaricação, disse: “Eu ouço muita gente, e muita gente me diz as maiores bobagens que eu não levo em conta.”

No seu pronunciamento do último sábado, o presidente também admitiu que ouviu Joesley afirmar que vinha mantendo uma “boa relação” como o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que está preso. Temer também confirmou ter dito “mantenha isso, viu?”. O trecho foi interpretado como anuência do presidente ao pagamento de uma mesada para comprar o silêncio de Cunha. O presidente nega essa versão.

Temer também apontou que considerava o deputado paranaense Rodrigo Rocha Loures (PMDB) – filmado carregando uma mala de dinheiro após o encontro entre Joesley e o presidente – um intermediário para tratar com o empresário da JBS.

Datas não batem

O presidente também cometeu um erro ao afirmar que havia recebido Joesley para conversar sobre a Operação Carne Fraca, a ação da Polícia Federal que mirou dezenas de frigoríficos em 17 de março deste ano. As datas simplesmente não batem, já que a operação foi desencadeada dez dias depois do encontro.

Por enquanto, as dúvidas sobre o áudio não têm beneficiado Temer. O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, por exemplo, disse que a entidade se mantém firme no seu pedido de impeachment de Temer, afirmando que a questão não é a edição do áudio.

“Muito está se discutindo sobre alguma edição do áudio, mas a peça que a OAB irá apresentar tem como base também as declarações do presidente sobre a reunião. Ele em nenhum momento nega os fatos [relativos à conversa sobre compra de autoridades]”, disse Lamachia em coletiva na segunda-feira.

A gravação está sendo analisada pela Polícia Federal (PF), que deve elaborar sua própria perícia para identificar a existência de qualquer manipulação. A PF disse ao STF nesta terça-feira que a perícia pode demorar até 30 dias.


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