No 3º dia, Dirceu nega mensalão, e Delúbio e Valério admitem caixa 2
Todos os defensores negaram a existência do mensalão, suposto esquema de compra de votos no Congresso para beneficiar o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
No entanto, os advogados Arnaldo Malheiros Filho, que representa o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, e Marcelo Leonardo, que defende Marcos Valério, acusado de ser o operador do mensalão, confirmaram o uso de dinheiro não declarado (caixa dois) após a campanha presidencial do PT de 2002.
O julgamento do mensalão começou na última quinta-feira (2) com a leitura do resumo da ação feita pelo relator Joaquim Barbosa, que apresentou o nome dos réus e explicou a quais crimes eles respondem. Na sexta-feira (3), o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu ao Supremo Tribunal Federal a condenação de 36 dos 38 réus do processo e apontou o ex-ministro José Dirceu como líder do grupo criminoso.
Gurgel disse estar “plenamente convencido” de que as provas produzidas “comprovam a existência do esquema de cooptação de apoio político descrito na denúncia”.
Nesta terça-feira (7) devem ser feitas as sustentações orais dos advogados dos réus Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos, Geiza Dias – todos do grupo de Marcos Valério – e de Kátia Rabello, ex-presidente do Banco Rural.
Defesa de Dirceu nega mensalão
Primeiro a falar, o advogado de José Dirceu, José Luís de Oliveira Lima, negou a compra de votos no Congresso e disse que as testemunhas da ação mostraram que o mensalão não existiu. Ao longo de 45 minutos, o defensor disse que o pedido de condenação do ex-ministro “é o mais atrevido e escandaloso ataque à Constituição Federal”, visto que “não há prova, elemento, circunstância que incrimine” José Dirceu.
“Não é verdade que existiu a propalada compra de votos. Não é verdade que José Dirceu procurasse parlamentares da base aliada para que votassem a favor do governo. Não existem provas dessa acusação nos autos”, argumentou Lima, que garantiu que seu cliente “não é chefe de quadrilha”.
Na última sexta-feira, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, dedicou 26 minutos de sua acusação para o ex-ministro. Segundo ele, a “prova é contundente quanto à atuação de José Dirceu como líder do grupo criminoso”. Gurgel disse ainda que, “sem risco de cometer injustiça, [José Dirceu] foi a principal figura de todo o apurado”.
“Foi José Dirceu quem formatou sistema ilícito da formação da base aliada mediante pagamento ilícito. […] Comandou os demais integrantes para a consecução de seus objetivos. […] Autor intelectual não envia mensagem, não movimenta contas, age por intermédio de laranjas, não se relaciona diretamente com secundários da quadrilha, não deixando rastros facilmente perceptíveis.”, acusou o procurador.
O advogado rebateu acusações de que Dirceu usou cargo de ministro para beneficiar o banco BMG, de que supostamente deu dinheiro ao esquema, de que teria tentado coibir fiscalização de lavagem de dinheiro, de que tinha conhecimento sobre as finanças do PT e de que teria comandado o esquema de compra de votos no Congresso.
Ele negou ainda que Dirceu tivesse relação com Marcos Valério. “O comparecimento de Marcos Valério em duas situações na Casa Civil demonstraram nos autos que a Casa Civil recebe, sim, empresários e dirigentes de instituições financeiras”, disse. Para ele, “é inegável que a Casa Civil tenha um papel político”, mas que isso não mostra ilicitude.
O defensor argumentou também que não há “lógica” na afirmação de que houve compra de votos no Congresso. “Não é verdade que procuraram parlamentares, não existe na ação penal nenhum depoimento nesse sentido, de testemunha, não existe, o MP não aponta esta prova. […] Não consigo ver lógica nessa acusação com ilações, interpretações. Quero ficar no campo da prova. Esse fato não existiu. No período em que ocorreram os maiores saques, o governo perdeu a maioria das votações. Qual a lógica?”, questionou.
Advogado de Genoino fala em ‘direito penal nazista’
Luiz Fernando Pacheco, que defende o ex-presidente do PT José Genoino, disse que o suposto esquema do mensalão foi “inventado” e que seu cliente só foi acusado porque era petista. “Ele [José Genoino] não é réu pelo que fez ou deixou de fazer, mas é réu pelo que ele foi. A denúncia não faz individualização de conduta, redunda na responsabilidade objetiva. Se é bruxa, queima. É o direito penal nazista. Se é judeu, mata. Foi presidente do PT, então tem que ir para a cadeia”, disse Pacheco, que falou aos ministros do STF por 40 minutos.
O advogado, a exemplo da defesa de José Dirceu, também disse que o mensalão “nunca existiu” e que o processo não prova a compra de votos de parlamentares. “Falava [Roberto] Jefferson de pagamentos mensais de R$ 30 mil. Não há absolutamente nada sobre isso nos autos”, afirmou o defensor.
A defesa de Genoino argumentou que o ex-presidente do partido não tinha controle nenhum sobre as finanças e que os empréstimos apontados na denúncia como “fictícios”, avalizados por Genoino, foram negociados pelo ex-tesoureiro Delúbio Soares, também réu no processo. Segundo a Procuradoria, o dinheiro dos empréstimos era usado para comprar o voto de parlamentares.
“Ele, como presidente do PT, não cuidava das finanças e da administração do partido. O PT estava com as finanças em frangalhos por causa das dívidas da campanha de 2002. A solução foi delegada ao secretário de finanças. O tesoureiro procurou instituições financeiras, o diretório nacional optou por fazer esses empréstimos e essa é e sempre foi a palavra de Delúbio Soares. São dois contratos dos quais o Genoino foi avalista, negociados, que seriam firmados com conhecimento de toda direção do PT e que foram negociados pelo Delúbio”.
O defensor argumentou ainda que Genoino manteve padrão de vida e não enriqueceu. “Ele teve seu sigilo quebrado, não achou-se nada que maculasse sua vida, manteve seu padrão de vida de classe média. Não participou das alianças formadas para a eleição do governo Lula em 2002, estava cuidando de sua campanha para governador”.
Pacheco disse ainda estar “feliz” pelo julgamento encerrar o processo contra Genoino, que, segundo ele, “foi arrastado na lama de um processo criminal pela irresponsabilidade de alguns”. O advogado usou boa parte do tempo para falar sobre o passado do cliente e disse estar “feliz porque chega ao final um calvário que foi suportado por um homem inocente”.
Defesa de Delúbio confirma caixa 2
Arnaldo Malheiros Filho, advogado do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, admitiu que houve caixa dois – uso de dinheiro não contabilizado – referente à campanha presidencial de 2002. O defensor negou, no entanto, o esquema de compra de votos de parlamentares no Congresso em troca de apoio ao governo Lula.
“O procurador pergunta: por que não se faziam transferências bancárias? Porque era ilícito. Deram despesa sem nota. Quem tem uma vivência de eleições no Brasil sabe que o que circula é a moeda sonante. Era ilícito mesmo. Agora Delúbio é um homem que não se furta a responder por aquilo que fez. Ele não quer responder por aquilo que não fez. Ele fez caixa dois de campanha, isso ele não nega. Agora, ele não corrompeu ninguém”, disse.
O advogado, que usou cerca de 35 minutos para defender Delúbio, afirmou que a denúncia do mensalão “é pífia, é esgarçada, é rala”. Para ele, o procurador-geral da República não provou relação entre o dinheiro e as votações. “É o que eu digo: não é que não há prova, é que não há imputação. Há uma carência. Essa é uma quadrilha muito esquisita”, disse Malheiros Filho. “Na realidade, Delúbio nunca se envolveu nessa questão do jogo político, o problema dele era arrumar dinheiro para financiar custas de campanha”, completou.
Para o advogado, a Procuradoria Geral da República (PGR) não conseguiu provar que Delúbio obteve vantagem indevida. “Não quero uma confissão, mas o mínimo de prova tem que haver”, disse. “Não se diz em quais decisões. Nada disso é detalhado. O que se põe hoje a pretexto de que a prova é difícil, é pôr o acusado naquela prova diabólica, na prova negativa. Ele não tem condição de fazer essa prova”, argumentou aos ministros do STF.
Valério ‘não é troféu’
Marcelo Leonardo, que defende Marcos Valério, acusado de ser o operador do mensalão, disse aos ministros do STF que o processo não comprova a existência do mensalão. Segundo ele, houve, no máximo, caixa dois – uso de recursos eleitorais não contabilizados. “Inúmeros depoimentos negam o mensalão. Jamais foi feito repasse de dinheiro a parlamentares para compra de votos (….) Constituiu-se, no máximo, em um caixa dois”, afirmou Leonardo.
O defensor argumentou que seu cliente foi vítima de perseguição. “[Marcos Valério] não é troféu ou personagem a ser sacrificado em altar midiático. Foi vítima de implacável e insidiosa campanha de publicidade opressiva, julgado e condenado pela mídia, sem direito à defesa”. Segundo Leonardo, Valério foi até “preconceituosamente ridicularizado por ter corte de cabelo zero” depois que raspou a cabeça em solidariedade ao filho, que tinha câncer.
O advogado também afirmou que os depoimentos testemunhais negam o esquema de pagamento de propina em troca de voto no Congresso. “Foram transcritos 58 depoimentos de testemunhas, ninguém dá notícia de compra ou pedido de compra de voto de deputado, apesar das 300 testemunhas ouvidas na instrução.”
“As denúncias de repasses aos partidos políticos têm sempre no final do tópico uma mesma referência, que o resultado foi sempre o apoio político ao governo federal. A denúncia não narra como teriam sido essas atuações. […] Nenhuma prova foi produzida na fase judicial”, completou o advogado.
Ao final da sustentação oral, Marcelo Leonardo recebeu por telefone cumprimentos de amigos, colegas e familiares. A ligação mais importante do dia, afirmou o defensor, partiu de seu pai, o jurista Jair Leonardo Lopes, professor emérito de Direito Penal da Universidade Federal e Minas Gerais (UFMG). Aos 88 anos, mais de 60 deles dedicados à advocacia, o pai de Marcelo Leonardo enfatizou na conversa telefônica que “adorou” o desempenho do filho na tribuna do STF.
Ao relatar a história, o advogado de Marcos Valério embargou a voz e marejou os olhos. “A melhor avaliação que eu tinha para receber era do meu pai. Ele disse que adorou”, contou.
Para defensor de Hollerbach, denúncia é genérica
Hermes Guerrero, que defende Ramon Hollerbach – ex-sócio de Marcos Valério -, afirmou que a acusação do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, no processo do mensalão é genérica e não individualiza as denúncias contra seu cliente.
“O que o Ministério Público não entendeu é que Marcos Valério, Ramon e Cristiano Paz (outro sócio) são pessoas distintas. O que beneficia ou prejudica um não pode se estender a outro. Não há nenhuma descrição, eu poderia inclusive encerrar aqui porque isso é incontestável, não há descrição de qualquer conduta que tenha sido praticada por Ramon Hollerbach. […] Não descreve a conduta de Ramon. Dificulta a defesa, por outro lado, facilita a decisão a que se deve chegar”,disse o defensor.
“De onde é que a acusação tirou? De qual página, de qual prova, de que, se houve corrupção, não há prova disso, de onde é que o Ministério Público extraiu que Marcos Valério agia em nome de Ramon Hollerbach? Eu não tenho nem como defender porque a acusação presume”, completou Guerrero. Ele afirmou ainda que, na acusação de evasão de divisas, as alegações finais citam Ramon 66 vezes, mas só uma individualmente.
Advogados do ex-ministro José Dirceu, do ex-presidente do PT José Genoino, e do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares usaram tempo menor que o permitido para a sustentação oral. Pelas regras estipuladas para o julgamento, cada um teria direito a 60 minutos para defender seus clientes no STF.
O defensor de José Dirceu, José Luís de Oliveira Lima, falou por cerca de 45 minutos; Luís Fernando Pacheco, que representa José Genoino, usou aproximadamente 40 minutos; e Arnaldo Malheiros Filho, que defende Delúbio Soares, utilizou somente 35 minutos. Marcelo Leonardo, advogado de Marcos Valério, foi o único que usou a íntegra do tempo. O advogado Hermes Guerrero, que defende Ramon Hollerbach – ex-sócio de Marcos Valério -, falou por 47 minutos e encerrou o primeiro dia de defesas.
Fonte G1