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Coparentalidade: brasileiros buscam parceiros para ter filhos sem relação amorosa

12/08/2018 - 12h43

O sonho da maternidade acompanhava Aparecida Sobral, de 39 anos, desde a infância. Ela planejava uma família com marido e filhos. O plano de se casar foi alterado após desilusões em relacionamentos amorosos.

O desejo de tornar-se mãe permaneceu. Para isso, ela procurou na internet um homem que também quisesse um filho.

Depois de anos de buscas, Aparecida encontrou um parceiro que aceitou ter uma criança sem que houvesse um relacionamento amoroso entre eles. Hoje, ela é mãe de um garoto de cinco meses.

A história de Aparecida se assemelha a de outros brasileiros que também têm procurado uma parceria para criar um filho, sem a necessidade de um envolvimento emocional entre os pais. A prática em que duas pessoas se unem unicamente por uma criança é denominada coparentalidade. O termo traz uma nova vertente para a tradicional parentalidade, que define a ação de criar e educar filhos biológicos ou adotados que são frutos de envolvimento afetivo entre os pais.

Anúncios sobre coparentalidade

A busca por um parceiro de coparentalidade pode acontecer por meio da internet ou entre conhecidos. Nas redes sociais, grupos se dedicam exclusivamente ao assunto. O maior deles possui mais de quatro mil participantes. Nas publicações, interessados no novo modelo de família se apresentam, mencionam suas características e ressaltam a vontade de ter um filho.

Para definir possíveis pretendentes à coparentalidade, as pessoas levam em consideração questões como características físicas, nível de escolaridade, distância geográfica e até opiniões políticas.

A doutora em Psicologia do Desenvolvimento Humano Iolete Ribeiro ressalta que o termo coparentalidade é a legitimação de uma prática antiga, que atualmente ganhou novas características. “Na história da sociedade humana, sempre existiram pessoas que cuidavam de crianças por vínculos de afeto, mesmo sem ter essa relação de casal”, explica.

“Mas agora existem discussões sobre novos papéis sociais e gêneros. O termo família tradicional cada vez mais vem se mostrando antiquado, porque, na realidade, existem muitos arranjos possíveis para a família”, acrescenta.

Em países como os Estados Unidos, a busca por uma companhia para ter um filho sem vínculo amoroso é considerada comum e existem diversos sites dedicados ao tema. No Brasil, o assunto é recente. Muitos daqueles que querem recorrer à prática não comentam com amigos ou familiares. Eles acreditam que podem enfrentar preconceito.

Grupos de coparentalidade

A responsável pelo grupo em que Aparecida conheceu o pai de seu filho é a jornalista Taline Schneider, de 37 anos. Ela criou, há quatro anos, a primeira página dedicada à coparentalidade nas redes sociais. Segundo Taline, 33 crianças nasceram, até o momento, de pais que se conheceram em seu grupo. “Isso sem contar os casos que não foram informados para a gente”, diz.

A jornalista criou a página porque desde a infância sonhava em ser mãe independente. “Eu me imaginava com um filho, mas nunca pensei em marido”, conta. Depois que terminou o casamento, Taline relata que os planos de ter uma criança sem precisar de um relacionamento voltaram a acompanhá-la. “Comecei a pesquisar sobre o tema, descobri a coparentalidade e decidi criar um grupo sobre o assunto.”

O grupo de Taline no Facebook foi crescendo e há um ano ela abriu um site sobre o tema. Nele, as pessoas avaliam perfis dos outros participantes e podem iniciar conversas. Na página, estão cadastradas 2,2 mil pessoas. Dessas, cerca de cem pagam por uma assinatura mensal ou trimestral, que varia de R$ 30 a R$ 80. Além disso, há também a comercialização de créditos, cujos valores correspondem a R$ 10 ou R$ 20, usados para interagir nas redes sociais com possíveis pretendentes.

“Muitos não pagam, porque concedemos diversos benefícios aos usuários que utilizam ativamente a plataforma. Por isso, o valor que recebo é muito pequeno e não arca com os gastos da página”, diz.

Mesmo afirmando que teve prejuízo com a página, Taline se orgulha por ter conseguido unir pessoas que buscam a coparentalidade. “É gratificante saber que mais de 30 crianças nasceram por meio de pais que se conheceram no site”.

Ela, porém, lamenta a falta de apoio. “Muita gente tem vergonha de admitir que teve o filho por meio da coparentalidade e isso prejudica os outros que também buscam o método, porque acaba colaborando para o preconceito, pois fica parecendo que as pessoas precisam se esconder”.

Na plataforma, há regras sobre o convívio entre os usuários. É proibido utilizar o site em busca exclusivamente de relações sexuais. “Há casos de pessoas que usam a plataforma apenas para fins sexuais. Esse não é o intuito da página. Há também os envolvimentos amorosos, que acontecem em muitas situações, mas as pessoas precisam compreender que a principal finalidade do site é encontrar um parceiro para a coparentalidade”, afirma.

Apesar de ter ajudado no nascimento de dezenas de crianças, Taline ainda não encontrou um parceiro para a coparentalidade. “Ao longo dos anos, conversei com 13 homens, que se encaixavam no perfil que procuro. Mas o grande problema foi a distância, por isso não deu certo. Não quero que meu filho tenha um pai que more longe”, diz a jornalista, que mora em Porto Alegre. Ela permanece à procura de um companheiro para a concepção da criança.

Fonte: BBC


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