Prováveis consequências do asfalto para Cumuruxatiba
Há, de modo geral, uma grande dificuldade para os moradores das vilas pequenas brasileiras em suas locomoções de uma cidade a outra, muito por causa do tipo de estrada que lhe dá acesso, como é o caso de Cumuruxatiba.
Localizada no distrito de Prado, extremo-sul da Bahia, o vilarejo é composto, originalmente, por diversas comunidades indígenas e por pescadores e já tem 126 anos. O nome Cumuruxatiba significa na língua pataxó “alta variação das marés” e diz muito sobre o local, uma vez que nele é possível encontrar praias exuberantes, também por causa das marés e belezas naturais; há uma aproximação entre litoral e Mata Atlântica.
O asfaltar será essencial para nós moradores, já que para sairmos da cidade é preciso enfrentar 32km de estrada de terra, e, quando chove, a dificuldade aumenta ainda mais. De modo que ele vai trazer diversos bônus, mas, para uma cidade que vive, cada vez mais, do turismo como principal fonte econômica, faz-se necessário entender também seus ônus, já que não há uma estrutura para mudanças tão bruscas. Assim sendo, torna-se de vital importância discutir sobre as transformações que acontecerão a alguns dos principais setores de Cumuruxatiba, que são saúde, turismo e comércio.
A princípio, o turismo será muito beneficiado (claro!), já que com o asfalto haverá muito mais acessibilidade para os visitantes, porém, deveria ser evidente que a saúde é prioridade para grande parte da comunidade, e, por isso, vamos falar, primeiro, sobre ela. Nesse sentido, é importante ressaltar que há apenas uma Unidade Básica de Saúde (UBS) para todo o distrito que já enfrenta dificuldades históricas no que concerne à prestação de serviço, uma vez que não há uma constância e padrão no funcionamento, e quando tem atendimento é bem mais básico do que se espera, além de limitar-se a poucos setores (algo que vem sendo modificado pela atual gestão da prefeitura).
Isso pode ser representado com perfeição pelo caso da moradora Arukia Carabalho que é professora na Vila e, durante sua gravidez, teve a necessidade de sair de Cumuru devido a um sangramento gestacional, no dia 09 de dezembro de 2021. Arukia foi obrigada, juntamente a dois outros enfermos, a usar um helicóptero fornecido pela prefeitura como forma emergencial por causa das fortes chuvas da estação que impossibilitaram a passagem pela estrada de terra. O que apenas prova a falta de atendimento especializado em relação à saúde na vila e à dificuldade de locomoção pela estrada.
Esse e outros casos não aconteceriam se já tivéssemos a pavimentação. Acrescenta-se que situações emergenciais tendem a aumentar com a chegada do asfalto porque o número de pacientes só irá aumentar e o posto ainda não tem estrutura, materiais e profissionais especializados para atender o fluxo progressivamente maior de pessoas que moram e turista na cidade. Esse problema não será resolvido, a não ser com mais investimentos do Município direcionado a prover serviços especializados ou, ao menos, fornecer recursos de maneira mais abrangente para a UBS atual, para que, para o primeiro momento, ela possa lidar com tais situações.
Pensando de outro modo, apesar da UBS não ser suficiente, o asfaltamento irá facilitar muito o acesso para lugares maiores, como Prado, Teixeira de Freitas, entre outros, o que diminuirá, consequentemente, a dependência das pessoas ao posto local, uma vez que ele não funciona 24 horas e não atende todos os tipos de necessidades. Portanto, junto ao asfalto, é imprescindível a estruturação e o aumento na diversidade do atendimento da Unidade Básica de Saúde de Cumuruxatiba.
Voltando ao turismo, é importante lembrar que, com a chegada do asfalto, haverá uma maior movimentação pela cidade; isso será positivo, sem dúvida. Porém, muitos outros aspectos, também, serão afetados de maneira negativa por esse crescimento, seja por uma quantidade massiva de turistas, extrapolando até mesmo a infraestrutura da cidade, ou por um aburguesamento da vila, gerando o afastamento da população mais carente das praias e de suas residências atuais.
É valido enfatizar que, só com o anúncio do asfalto, já tivemos um aumento na procura de imóveis, apontando, assim, um aumento do processo de gentrificação. “Gentry” é um neologismo do inglês que significa aburguesar, um processo de elitização que aumenta a renda necessária para residir em certo ambiente, valorizando a região e afetando a população de baixa renda local, expulsando, por conseguinte, todos que não tem recurso financeiro para viver ali, ou seja, devido à especulação, certo grupo de pessoas terá que se desfazer de sua residência e procurar moradas distantes.
Além disso, a gentrificação causa um crescimento acelerado. O efeito desse fenômeno foi muito bem dramatizado na música “Lucro”, da banda Baina System, que retrata um rápido processo de gentrificação e as reações a ele, como no verso “subiu o prédio eu ouço vaia” que expõe a revolta daqueles que, aos poucos, se percebem não pertencendo aquele mundo de especulação imobiliária; vaiando a mudança desigual e desordenada. Já o turismo de massa consiste em um enorme fluxo de pessoas que vão ao mesmo tempo a uma mesma localização, os turistas podem ser tão numerosos a ponto da vila em si não ser capaz de arcar com as necessidades deles, gerando uma quantidade enorme de lixo e poluição em nossas praias e ruas e gerar, portanto, descontentamentos daqueles que vivem aqui pela sua especificidade.
De tal modo que ficaremos mais dependentes da prefeitura para a regulamentação e coleta do lixo, o que é, no mínimo, perigoso, já que o sistema básico de coleta já não é dos melhores e tende a piorar nesse fluxo. Entendemos que, com o aumento da cidade, ficaremos à mercê da gestão da prefeitura para que esse processo seja positivo para todos, inclusive para o Meio Ambiente. Em outra perspectiva, esperamos que o aumento do turismo proporcione maiores oportunidades de emprego para os moradores da vila, e, por conseguinte, melhore a qualidade de vida de todos (pelo menos, essa é a ideia).
Outrossim, em relação à atividade comercial, a vinda do asfalto até Cumuruxatiba deverá impactar diretamente esse setor, que pode ser analisado por duas perspectivas: oportunidades turísticas e baixa no preço dos produtos e dos serviços. No primeiro caso, teremos o surgimento de novas atrações para o turismo, tal como os passeios de buggy, o aumento das visitas guiadas as aldeias, diversidades nas opções de restaurantes, hospedagens e mercados.
O que provavelmente não acontece devido ao grande investimento e ao baixo retorno, se contarmos o número de moradores e turistas de hoje. Nessa lógica, teremos, também, um turismo mais popular no distrito, o que é uma grande oportunidade de negócio, porém pode acabar diluindo a essência calma e pacata da vila de Cumuru, caso o poder público não o acompanhe de perto e com planejamento.
Sobre o segundo ponto, baixa do preço de produtos e serviços, nos permita uma menção a Adam Smith, pai do liberalismo econômico, “o preço de uma mercadoria específica é regulado pela proporção entre a quantidade que é efetivamente colocada no mercado [oferta] e a demanda daqueles que estão dispostos a pagar o preço natural da mercadoria”. Seguindo essa lógica, ao aumentar a disponibilidade e a concorrência de um bem ou serviço no mercado, o seu valor diminui exponencialmente.
Desse modo, ao criar mais serviços e bens para atender o aumento da demanda, os preços tendem a diminuir (será?), isso gera não só mais atratividade para os turistas, como, igualmente, esperamos uma melhora no padrão de vida dos moradores. Além desses impactos, o asfalto vai facilitar as compras de itens mais específicos que aqui não têm, haja vista que será gasto menos combustível para sair e entrar de Cumuru, sem contar que a frequência com que se consertam os carros será menor, desde que a manutenção da estrada seja feita periodicamente pelo município.
Destarte, percebe-se que a saúde, o turismo e o comércio em Cumuru serão afetados estruturalmente com a chegada do asfalto; além de outros setores não discutidos aqui. No entanto, o mais importante é que nossa comunidade continue sendo o que é, uma vila charmosa, calma e aconchegante, um lugar para onde as pessoas vêm para respirar tranquilidade, sair da bagunça da cidade grande. Nesse sentido, o asfalto e suas alterações serão muito bem vindos, desde que tenhamos o apoio e o suporte da prefeitura de Prado para nos auxiliar nesta grande mudança.
Por Felipe Oliveira de Paula, Matheus Gonçalves Moreira, Theo Ramos Nogueira, Lila Ramos Nogueira, Elisa Castro Ferraz