Quanto vale o silêncio de parte da imprensa no caso Gel Lopes?
Quanto vale o silêncio de parte da imprensa no caso Gel Lopes?
24 setembro de 2010, uma tarde de sexta-feira, o telefone do Jornal Alerta – onde eu trabalhava na época – tocou, quem estava do outro lado da linha informou sobre um suposto confronto entre PM e assaltantes, quando um teria tombado e outro, ferido, levado ao Hospital Municipal de Teixeira de Freitas (HMTF). Eu, imediatamente, fui ao local, sendo um dos primeiros profissionais de imprensa a chegar. Fiz meu trabalho, fotografei o que pude e até o que não pude, sempre na tentativa de fazer alguma foto que pudesse ser usada no veículo impresso em que trabalhava. Após sair do local, fui para o jornal, redigi minha matéria relatando os fatos conforme a polícia havia me passado. Em seguida, voltei para minha casa e, já por volta das 20 horas, meu telefone toca, do outro lado da linha meu patrão, Carlinhos do Alerta, na ocasião, me dá a notícia de que o rapaz morto que eu teria noticiado como bandido morto no confronto com a PM era o empresário, trabalhador e pai de família Gilberto Arueira.
Apesar do histórico ocorrido no local do crime, a família de Gilberto alegava que ele jamais teria utilizado uma arma, o que ficara comprovado com o tempo. Gilberto nunca teria entrado em confronto com a PM, ele teria sido morto deitado ao chão de bruços, sem qualquer chance de defesa. Quando soube disso, acabei descobrindo que eu tinha uma prova que poderia inocentar Gilberto Arueira, pessoa que eu nunca tinha conhecido e que nem sabia quem era. Apesar dos conselhos contrários de alguns colegas de imprensa, que acharam que eu não deveria me expor tanto, eu resolvi seguir minha consciência, entreguei as provas que poderiam inocentar aquele pai de família, trabalhador, que depois de morto poderia ter sua imagem manchada. Coloquei minha cabeça a prêmio, corri risco de tomar um tiro no meio da rua, mas, dormi de consciência tranquila.
Agora, em 27 de fevereiro de 2014, quase quatro anos depois, meu telefone toca, do outro lado da linha meu irmão José Rodrigues parecia aliviado ao conseguir falar comigo, me pergunta onde estou e em seguida me dá a triste notícia: atiraram em Gel Lopes e me passa o endereço do local. Imediatamente vou ao local, quando chego lá vejo uma das cenas mais tristes que já vi até hoje, um filho deitado ao chão, chorando a morte do pai, naquele momento não restava mais dúvidas, Gel Lopes estava morto, no exato momento minha cabeça entra em choque, a cena que vejo era como um recado para mim, como se alguém quisesse me dizer: “Eu posso fazer isso com você também”. Afinal, dos inúmeros crimes que minha câmera já registrou, nenhum me mandava um recado tão claro e me mostrava o quanto eu também estava vulnerável, mas, eu não poderia curvar a cabeça, apesar do estado de choque, eu precisava reagir, tinha que lutar contra aquilo e mais do que isso – precisava apoiar Joris Bento Xavier, o filho da vítima, que neste momento já teria levantado ainda mais desesperado e precisava do meu apoio para poder se controlar.
Naquele momento, apesar de entender o tom ameaçador do recado, eu decidi que vou lutar por justiça. Ainda no local do crime pediram para que eu desse uma entrevista ao vivo numa rádio, nem me lembro ao certo o que falei, pois estava carregado de muita emoção, porém, entre as coisas que lembro de ter falado está: “Se quem fez isso agiu para me intimidar, se enganou, porque agora que eu vou pra cima e vou denunciar mesmo, não tenho medo de pagar com a minha vida, pode ter certeza, eu vou pra cima”. Mal sabia eu o que estava por traz daquela morte, afinal, não era uma morte qualquer, era a de um jornalista, que assim como eu denunciava os desmandos que acontecem em nosso Extremo Sul. Era hora de voltar para casa, precisava noticiar aquele fato. Naquele momento toda cidade esperava por informações, sentia calafrio, angustia no meu peito, com receio de ser alvejado a caminho de minha casa, procurei alguém que pudesse ir comigo, mas não achei ninguém, apesar do estado de choque, eu tinha que ir digitar a matéria, depois voltar para delegacia, onde juntos com os colegas iria acompanhar a necropsia e a liberação do corpo. Criei coragem, voltei para casa, fui ao meu escritório, fiz o que tinha que fazer, depois fui a DP, lá, por volta das duas da madrugada, eu tinha que ir dormir, mas, onde estava o sono? Meu celular não me deixava quieto, eu não poderia voltar para casa, pois precisava ir a casa da minha mãe, para que ela tivesse certeza que tudo estava bem comigo. Então assim o fiz. A abracei, em seguida fui dormir numa cama que ela me preparou na sua casa, tive que desligar o celular, para que pudesse descansar, pois mesmo sendo quase 3 da manhã o telefone tocava sem parar. Fui deitar, acordei no dia seguinte, com a sensação de que minha vida tinha virado de cabeça para baixo, não tinha dormido nada, mais precisava reagir, tomei um gole de café, puro, pois não havia disposição para comer nada, fui à lida diária, precisava reagir, o meu escritório parecia um deserto, uma sensação ruim, mais aos poucos eu retomei o trabalho.
Quando o fatídico episódio aconteceu em 2010, Gel Lopes foi um dos poucos colegas da imprensa que se colocou ao meu lado e me apoiou em tudo, mesmo colocando sua cabeça a prêmio, por isso, vou lutar por justiça, nem que isso custe a minha vida.
Novamente alguns colegas da imprensa se colocam contra mim, aqueles que deveriam lutar para verem esclarecido o crime de Gel Lopes, agora vêm propor uma censura até no que eu vou falar. Ei, mas, digam-me o porquê disso?
Por que este interesse que eu não fale nada? O que os colegas de imprensa têm a temer? Perder a vida? Não, parece que algo muito mais sujo está por traz disso. O interesse financeiro de alguns; nunca imaginei algo tão sujo no meio da própria imprensa: trocar a punição da morte de um colega pelos míseros trocados que um contrato com a prefeitura pode dar.
Eu pergunto: quanto vale a vida de um jornalista?
Qual o interesse de Érico Cavalcante em me sugerir ainda no local do crime que eu deixasse a cidade por um período?
O que ele queria propor com isso?
Ganharia ele alguma coisa com o meu silêncio?
São perguntas que só ele pode responder.
Pronto, cheguei a falar com Tyago Ramos, enquanto íamos ao velório de Gel, do meu pensamento em deixar a cidade por um período, ele logo tratou de me fazer desistir da ideia e continuar minha luta.
Ao voltar do enterro de Gel, eu recebo um telefonema do jornalista Athylla Borborema, que me pergunta sobre como foi o enterro, em seguida me faz uma revelação bombástica: o delegado Marcus Vinícius teria lhe revelado que a morte de Gel estaria ligada a um dossiê que ele teria montado na região metropolitana da Bahia com foco na cidade de Camaçari. Na sequência, falo com Edvaldo Alves, que me confirma o que Athylla teria me dito. Agora, não me restavam dúvidas – tinha algo muito “peixe grande” por traz da morte de Gel.
Eu teria o final de semana prolongado para refletir sobre o assunto, até que na segunda-feira, 3, resolvi trazer o assunto à tona.
Foi a gota d’água: Erico Cavalcante em conformidade com Neuza Brizola, juntando a meia dúzia de sites patrocinados pela prefeitura, uniram-se para me fazer uma moção de repúdio em nome da AIESBA. Vejam bem, a associação que foi criada para proteger a imprensa se volta contra um profissional que luta ferrenhamente por justiça, porque não quer que a morte de Gel seja como o sumiço de Ivan Rocha – caia no esquecimento. Apenas a punição pode pôr fim a esta forma sangrenta e fria de calar a imprensa. A ação da AIESBA, mais que ofender a mim, que busco exercer o papel da imprensa séria e comprometida com o social, com a verdade, foi uma ato implícito de censura, que vai contra a liberdade de imprensa e as leis brasileiras. Como uma associação de imprensa propõe moção de repúdio contra um dos seus por este lutar por justiça e punição diante da morte de um colega de profissão? Pensem vocês, leitores, o teor patético da atitude da tal associação.
O tal documento, que teria sido redigido no gabinete do prefeito por um dos seus advogados, falava de ética, mas, que ética se uma associação emite uma nota contra um associado sem ao menos realizar uma reunião dos membros?
Depois que validade tem a referida nota se Érico Cavalcante não tem autorização para falar em nome da AIESBA porque ele apenas fazia parte de um conselho junto a Lucas Bocão e Leco Gomes. Eles poderiam, no mínimo, convocar reunião, onde se decidiria emissão e teor da nota.
Qual o interesse de Érico Cavalcante em abafar o caso?
Por que ele me queria fora da cidade?
Qual o perigo que eu represento para as pretensões de Érico Cavalcante?
Por favor, explique-se, Érico.
Nessas horas que se sabe quem, na verdade, representa a imprensa, e quem está nela apenas para defender seus interesses.
Calar a voz da imprensa por míseros trocados diante da morte de um colega.
Parafraseando algo que ouço por aí: “Quanto mais conheço os ditadores, mais eu amo meu cachorro”.
Jotta Mendes é radialista e repórter