Aumento de feminicídios leva à reflexão sobre violência e saúde mental
No primeiro dia de 2020, notícias sobre violência contra a mulher já tomaram os jornais, com o caso de uma jovem de 21 anos assassinada a tiros em Camaçari, possivelmente pelo companheiro. Alguns dias depois, um homem atirou em sua esposa e a empurrou de um carro em movimento, em Fortaleza.
De acordo com informações da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, houve 155 registros de feminicídios entre janeiro e novembro de 2019. O número é 14% maior em relação aos índices aferidos em todo ano de 2018.
O problema da violência contra a mulher pode envolver diversos fatores, desde sociais até aspectos relacionados à saúde mental, e o caminho para mudanças nesse quadro passa por um debate mais aprofundado sobre o tema.
A psiquiatra da Holiste, Fabiana Nery, destaca entre os aspectos que levam a ocorrência de violência contra a mulher estão questões culturais presentes na estrutura social brasileira, que não podem ser ignoradas. Associado ou não a isso, o transtorno mental que leva a um comportamento violento também é um dos elementos desse cenário.
“O ciúme, por exemplo, não é essencialmente patológico, pois é um sentimento universal e normal, desencadeado pela ameaça à estabilidade de um relacionamento pelo qual se preza. Entretanto, em um quadro de ciúme patológico existe um grande desejo de controlar o comportamento e os sentimentos do ser amado. Ocorrem pensamentos exagerados e muitas vezes infundados de desconfiança. Nesses casos, as dúvidas se transformam em certezas e a pessoa é compelida à verificação compulsória de suas desconfianças”, aponta Fabiana.
A psiquiatra, Livia Castelo Branco, salienta que muitas vezes os agressores são pessoas funcionais, que trabalham e vivem em sociedade normalmente, mas desenvolvem um quadro patológico que se torna um delírio, passando à agressividade, podendo chegar ao assassinato.
“Também ocorrem casos em que o agressor tem um transtorno de personalidade que faz com que ele não sinta remorso, por isso faz a vítima sofrer e não sente culpa. Ele pode sentir até mesmo prazer nisso”, pontua a médica.
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O lado da vítima
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Os casos de violência doméstica que acabam em feminicídios muitas vezes são progressivos – começam com proibições, questionamentos, perseguições e chegam até a violência física. Essa particularidade faz com que, muitas vezes, seja questionado porque as vítimas permanecem no relacionamento.
A psiquiatra, Livia Branco, enfatiza que, nas relações abusivas, na maioria das vezes, a pessoa agredida não percebe que está vivenciando um relacionamento perigoso, ou não consegue sair daquela situação em função de diversos fatores – desde a dependência emocional até a falta de apoio e segurança.
“Tudo começa quando o parceiro aumenta o tom de voz em uma discussão, depois vem uma agressão verbal mais intensa, em seguida ele toca nela de uma maneira mais firme, após isso é que de fato chegam as agressões físicas. Muitas vezes existe uma forte dependência emocional que impede que as denúncias de violência sejam feitas, e, sem ajuda, as agressões tendem a ficar cada vez mais graves”, aponta a psiquiatra.
Edição: Bell Kojima