Evento de luxo de juízes em resort na Bahia será pago pela Veracel, empresa com passivo judicial
Uma empresa com extenso passivo judicial que inclui condenações por crimes ambientais, trabalhistas e fiscais patrocina um evento da AMB (Associação de Magistrados Brasileiros) que reunirá milhares de juízes em um resort cinco estrelas em Porto Seguro (BA), e será encerrado com um show da cantora Ivete Sangalo amanhã.
A Veracel Celulose é uma das patrocinadoras do encontro, que também é apoiado pela Caixa Econômica Federal e pela estatal baiana Bahiagás.
O VI Enaje (Encontro Nacional de Juízes Estaduais) será realizado em um paradisíaco resort em Arraial d’Ajuda, distrito de Porto Seguro. O Arraial D’Ajuda Eco Resort fica na Ponta do Apaga Fogo e tem cais, praia privativa e uma piscina de 700 metros quadrados na beira do mar. A diária no resort custa R$ 605.
A ministra Cármen Lúcia assumiu o comando do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) junto com a presidência do STF: resoluções do CNJ determinam a publicação das remunerações dos magistrados nos sites de tribunais dificultam acesso a dados salariais de magistrados
A AMB não paga as passagens aéreas nem a hospedagem, mas negociou descontos para quem for participar do evento.
Em alguns casos, tribunais pagarão diárias a magistrados que participarão do encontro.
Na programação oficial do evento os destaques são a presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Cármen Lúcia, e o juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato, que participará de um talk show com Gherardo Colombo, membro da Suprema Corte Italiana que atuou na Operação Mãos Limpas. O ministro Ricardo Lewandowski, também do Supremo, faria a abertura na noite de ontem. Durante o evento haverá também o único debate entre os três candidatos a presidente da entidade, que realizará a eleição na próxima semana.
Na quinta-feira à noite, a assessoria de Cármen Lúcia informou que a participação dela ainda não está confirmada.
Caso a ministra decida ir hoje, as despesas serão pagas pelo STF, por ser viagem institucional.
Empresa dos grupos brasileiro Fibria e sueco-finlandês Stora Enso, a Veracel está instalada no Sul da Bahia, onde tem uma vasta área de plantio de eucalipto, uma planta industrial para produção de celulose e até um terminal marítimo.
A Veracel já foi condenada na primeira instância do Judiciário nas áreas ambiental, trabalhista e fiscal. A empresa recorre, mas já foi condenada em segunda instância em um processo que trata do não pagamento de IPTU em Belmonte (BA), cidade que ocupa o número 4.198 no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano dos municípios brasileiros, ficando entre os piores do país.
A empresa também move dezenas de ações, boa parte delas de reintegração de posse de parte de suas terras.
No site do TJ-BA (Tribunal de Justiça da Bahia) há o registro de 106 demandas judiciais que envolvem a empresa na primeira instância. Ela aparece 24 vezes como ré e em outras 19 oportunidades é alvo de execução fiscal. Há ainda quatro ações em que a empresa foi acionada como “requerido”. Nos demais 59 casos foi a empresa quem acionou a Justiça.
Há ainda outros 11 registros de procedimentos no STJ (Superior Tribunal de Justiça), 24 no TRF-1 (Tribunal Regional Federal da Primeira Região), além de dois recursos da empresa no Supremo Tribunal Federal (STF).
A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) disse que a Veracel e a Caixa patrocinam o evento com R$ 100 mil cada, enquanto que a Bahiagás repassou R$ 30 mil.
A entidade diz ter “critérios rigorosos para a admissão de patrocínios aos seus eventos” e que os valores recebidos estão dentro de limites estabelecidos pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Ressalta haver uma parceria com a Caixa há alguns anos e que os demais patrocinadores foram prospectados devido ao local da realização do evento deste ano. Afirma ainda que o apoio dado pelas empresas não interfere na independência da magistratura.
“A AMB preza pela isenção e entende que não há nenhuma relação entre apoio financeiro ao evento e a independência da magistratura ao julgar empresas que estejam respondendo processos”, sustenta a entidade, por meio de nota.
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A Veracel destacou que como faz 25 anos em 2016 realiza uma campanha publicitária comemorativa e que o patrocínio ao evento dos juízes “foi considerado elegível e adequado à campanha”.
Sem responder às perguntas sobre os processos, a empresa afirmou ainda que o apoio é uma forma de auxiliar a realização de eventos na região em que está instalada.
“A Veracel Celulose tem relevância no PIB baiano e é uma das maiores empresas regionais em geração de emprego e renda, sendo este o entendimento que justifica o convite de parceria. Por parte da empresa, as contrapartidas de patrocínio esperadas são para a visibilidade da logomarca da empresa nas peças do evento abrigado sob o tema ética, independência e valorização da Magistratura”, diz trecho da nota enviada pela empresa.
A Caixa, por sua vez, afirmou que o patrocínio “tem como objetivo fortalecer o relacionamento negocial com o segmento, além de ser uma oportunidade para consolidar a imagem da Caixa junto ao público-alvo de interesse mercadológico”. A Bahiagás não respondeu ao questionamento do GLOBO.