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Propinas, reformas e obstrução: as últimas provas de crimes contra Temer

26/06/2017 - 08h33

Não faltaram opções ao presidente Michel Temer. Anfitrião de uma reunião secreta com o empresário Joesley Batista, sócio do frigorífico da JBS, Temer podia mandar o velho conhecido pleitear suas demandas como qualquer pessoa, nos balcões dos órgãos públicos onde queria facilidades. Mas, na fatídica conversa de 7 de março, Temer podia oferecer um atalho a Joesley e falou para ele tratar “tudo” com o deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), ex-assessor e homem da inteira confiança do presidente. Isso mudou tudo. Dias depois, Rocha Loures se encontrou com Joesley, disse falar em nome do presidente, e prometeu resolver um problema do empresário no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Em troca da facilidade, Rocha Loures pediu e levou R$ 500 mil de propina. Terminava, assim, a sequencia de ações, registradas em conversas gravadas por Joesley e comparsas, que colocou Temer na mira do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Agora, o presidente será acusado por Janot de corrupção passiva como principal beneficiário da propina da JBS por favores no Cade. E não só. Como boa parte do caminho de propinas para Temer já está identificado, registrado em provas documentais e testemunhos, ele também deve sofrer outras acusações de corrupção passiva, obstrução de Justiça, participação em organização criminosa e lavagem de dinheiro, de acordo com investigadores entrevistados pelo EL PAÍS. Hoje, Rocha Loures está preso na carceragem da Polícia Federal e Temer, sem tantas opções, luta para não encontrá-lo tão cedo.

Aquele dia, Joesley entrou no Palácio do Jaburu como alvo de cinco investigações em busca de trunfos para um acordo de delação premiada. Mas nem nos sonhos mais otimistas ele esperaria que o mais alto mandatário do país, normalmente descrito como um sujeito cerimonioso, verbalizaria tantas frases capazes de incriminá-lo. Joesley parecia entrevistá-lo, sem tanta desenvoltura ao alternar entre a confissão de um pagamento de propina e o pedido de um favor no governo. Embora normalmente se gabe de ser doutor em direito constitucional e autor de obras jurídicas de sucesso, Temer não teve grande hesitação na conversa. Quando o empresário falou em “pendências zeradas” com o ex-deputado Eduardo Cunha, o presidente respondeu: “Tem que manter isso, viu?”. Em outra confissão de pagamento de propinas por Joesley ao procurador Ângelo Goulart, Temer respondeu: “Ótimo, ótimo!”. Essa conversa gravada será a base de uma acusação de obstrução de Justiça contra o presidente. Ao contrário do que a defesa de Temer alegou, o áudio da conversa entre Joesley e Temer não foi editado, de acordo com perícia da Polícia Federal.

Temer agora mobiliza toda a máquina do governo federal para servir aos interesses do Congresso e, em troca, barrar a abertura de ações penais. Com boa parte do Congresso investigado na Operação Lava Jato, negociatas de Temer com os parlamentares ainda podem reforçar uma outra acusação no caminho do presidente: participação em organização criminosa. Mas, ainda que Temer escape temporariamente de processos com a ajuda providencial dos parlamentares, ele está fadado a enfrentar ações penais na Justiça comum quando terminar o mandato presidencial. De acordo com assessores de Janot entrevistados pelo EL PAÍS, eventual blindagem do Congresso a Temer não impede que o presidente seja denunciado pelos mesmos fatos quando acabar o governo. E não serão poucas ações penais, pelas provas obtidas até agora.

O mapa da propina de Temer

Também está no caminho de Temer outra ação penal por atos de corrupção passiva e lavagem de dinheiro cometidos com o frigorífico JBS antes do mandato presidencial. De acordo com a delação premiada de Florisvaldo Oliveira, o entregador de propinas da JBS, foi entregue uma caixa com R$ 1 milhão em espécie a um velho amigo e operador de Temer, o coronel aposentado João Baptista Lima Filho. O dinheiro foi repassado em 2 de setembro de 2014 na sede da Argeplan, uma das empresas do coronel, na Rua Juatuba, 68, em Vila Madalena, Zona Oeste de São Paulo. A remessa poderia motivar apenas uma acusação de caixa dois – os delatores da JBS não sabiam qual seria o destino do dinheiro nem falaram em nenhuma contrapartida. De acordo com os delatores da JBS, o dinheiro fazia parte de uma partilha total de R$ 15 milhões que a JBS deu para Temer entre agosto e outubro de 2014. De acordo com os delatores, Temer dividiu o dinheiro da seguinte forma: doações oficiais (R$ 9 milhões), pagamento do marqueteiro Duda Mendonça (R$ 2 milhões), entrega de dinheiro ao ex-deputado Eduardo Cunha (R$ 3 milhões) e uso pessoal na entrega para o coronel Lima (R$ 1 milhão).

Não fosse a entrega da JBS para Lima, Temer poderia se desvencilhar da acusação de que se beneficiou pessoalmente desses pagamentos. Mas a Operação Patmos, deflagrada em 17 de maio, obteve provas documentais de que o coronel custeava despesas pessoais da família de Temer. Foram achados e-mails e notas fiscais de fornecedores e prestadores de serviço de uma reforma na casa de uma das filhas de Temer, Maristela. Ao invés de cobrar a dona da casa, ou algum familiar, esses prestadores de serviço cobraram o coronel e faturaram os pagamentos em nome de Lima no segundo semestre de 2014. Ou seja, enquanto o coronel recolhia a propina da JBS, a casa da filha de Temer era reformada com despesas pagas por ele.

Mas não foi só da JBS que Lima recolheu propina em 2014. Em outubro do mesmo ano, ele recebeu pouco mais de R$ 1 milhão, diretamente em uma conta bancária, a mando da empreiteira Engevix. O pagamento foi confirmado por Lima, mas ele negou que fosse propina e, sim, a prestação de algum serviço que ele não quis revelar para a Alúmi Publicidade, uma prestadora de serviço do Aeroporto de Brasília (controlado pela Engevix). O repasse de propina foi revelado pelo empresário José Antunes Sobrinho, sócio da Engevix, em proposta de delação premiada, mas ele não deu detalhes de como o dinheiro foi recebido pelo coronel. A confirmação do pagamento de cerca de R$ 1 milhão, a mando da Engevix, para a PDA Projeto, outra empresa de Lima, foi revelada pela revista ÉPOCA em junho do ano passado. O coronel tinha escapado de investigações até agora porque a delação premiada da Engevix foi recusada por Janot em março de 2016, um mês antes de Temer assumir a presidência da República. E os crimes eram, teoricamente, anteriores ao mandato presidencial. Mas, com as novas provas contra Lima e Temer, o sócio da Engevix pode ser convocado como testemunha.

Ex-assessor de Temer na Secretaria de Segurança Pública de São Paulo nos anos 80, Lima até ajudou no primeiro divórcio de Temer. Parecia remoto o risco do coronel arrastar o velho amigo para alguma investigação enquanto Temer estivesse no Olimpo presidencial, protegido do julgamento de crimes anteriores ao mandato. Mas Lima não saiu do lugar, tinha no velho escritório guardadas as provas documentais dos favores ao presidente e Temer já não pode oferecer atalhos sem medo de gravações.

Fonte: El País


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