Na UFSB, um estudante agrediu outro, quebrou seu braço. O agressor expulso foi provisoriamente.
Em função dos ataques e ameaças ocorridos nos dias 26 e 27 de março de 2024, venho me pronunciar enquanto coordenador do Curso de Massoterapia do Grupo Epicura-te e enquanto professor da Universidade Federal do Sul da Bahia.
Aguardei alguns dias para poder avaliar os posicionamentos e medidas adotadas pela instituição mediante os fatos.
O agressor Oton César Pires Dantas, então aluno do curso de Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades, inscreveu-se no curso de massoterapia no ano de 2023. Já no primeiro encontro ele manifestou que, pela sua experiência, massagens eram todas “putaria”. Eu o acolhi e disse e não sabia quais eram suas experiências com isto, mas que no nosso curso isto não cabia de forma nenhuma. Contei-lhe sobre a origem do curso há 7 anos atrás e que tínhamos aulas específicas para tratar da ética profissional e desfetichizar a questão do corpo humano que deve ser visto com respeito absoluto, por isso nossas técnicas tentam preservar o paciente para que ele saiba exatamente o que está se passando a cada instante, mesmo quando está de olhos fechados ou deitado de bruços. Disse que ele poderia permanecer no curso se aceitasse estas regras ou, do contrário, se retirar. Ele disse aceitar as regras e que permaneceria.
Na sequência, participamos de um evento que estava ocorrendo na UFSB ofertando massagens nas cadeiras de quick massage no pátio. Ele observou enquanto eu mensageava algumas pessoas e perguntei se ele gostaria de receber a massagem. Ele disse que sim, sentou-se a cadeira e eu o massageei. Em seguida conversou comigo longamente, me contando de sua experiência profissional ruim em um estabelecimento de outra cidade que supostamente oferecia massagem, mas que se tratava de um local de prostituição, sentindo-se ele abusado. Acolhi mais uma vez e sugeri que ele procurasse atendimento psicológico para acompanhar suas questões.
O agressor veio a mais dois encontros do curso e depois desapareceu por vontade própria.Encontrei com ele em janeiro desse ano num supermercado. Ele veio me perguntar se eu conhecia determinados tipos de terapias e eu disse que não. Me perguntou se eu não era terapeuta e eu disse que era psicanalista, mas que não poderia atendê-lo por conta de meu regime de trabalho. Nos despedimos e não soube mais dele até o dia do ataque.
Na terça-feira, dia 26, recebi dois telefonemas que me relataram o ataque ao nosso monitor da Massoterapia e seu estado de saúde. O agressor não disse uma palavra e partiu para o ataque dando uma cotovelada no rosto do agredido que caiu no chão, seguido de chutes no rosto e no braço, que quebrou. Parou apenas quando uma amiga do agredido se interpôs entre ele e o agressor. Saiu dali para buscar sua bicicleta calmamente, voltando com a bicicleta para ameaçar a menina que salvou seu amigo como uma outra monitora do curso de massoterapia e a mim (que não estava presente).
Somente pude me dirigir a ele no dia seguinte por questões pessoais. Nesse mesmo dia, quarta feira 27, fui até a UFSB para dar aula. Estava sentado no pátio de entrada quando se aproximou o agressor (que já estava dentro do campus). E veio me questionar dizendo que havia sido expulso da sala de aula por um professor da UFSB. Perguntei quem e ele disse que era eu. Lembrei a ele que o acolhi e expliquei as regras às quais ele decidiu se submeter. Disse então que foi importunado sexualmente. Eu disse que isto era estranho já que nunca havia sido reportado nada parecido em 7 anos de funcionamento do curso, mas que ele tinha todo o direito de entrar com processos internos e externos à instituição. Ele disse que reportou tudo ao decanato do seu curso, eu disse que não recebi a denúncia. Ele disse que também havia entrado em contato com a ouvidoria, eu disse que também não havia recebido nada. Perguntei como esse direito dele transformara-se em agressão brutal e covarde, que o rapaz estava todo quebrado, ao que ele disse que ele havia apenas caído. Disse que demorou muito para identificar o monitor, o que demonstra premeditação do crime e que quando o achou perdeu a calma. Eu disse que isto era intolerável e que ele só havia ganho um Boletim de Ocorrência e um processo de expulsão da universidade.
Ele foi andando dizendo que estava “fazendo seus movimentos também”.Entrou numa sala de aula, em seguida saiu e foi embora com sua bicicleta. Conversei com o administrador do campus que me disse que havia sido feita uma reunião emergencial da congregação do Centro de Formação Territorial ao qual pertence o aluno, que decidiu por sua expulsão, que foi imediatamente comunicada ao agressor. Ou seja, ele sabia que não poderia estar no campus naquele dia 27.
Conforme as pessoas chegavam para conversar, fui sabendo mais sobre o agressor. Ele é filho de um coronel da Polícia Militar local, tem uma extensa ficha corrida que envolve inúmeras agressões físicas, especialmente as mulheres e homossexuais, roubos e envolvimentos com o crime.
Pouco depois chega um professor que diz que tudo está resolvido, pois foi orientador do pai do agressor no doutorado na própria UFSB e que sendo seu amigo, já havia conversado com ele e que ele teria “controle sobre o filho”. Fiquei perplexo de como isto podia ser relatado desta forma por um professor da instituição, dada a gravidade da agressão ocorrida, já que, sendo o agressor um ex-policial militar e lutador profissional de MMA e Jiu-Jitsu, facilmente poderia ter dado cabo do agredido.
Se o pai tem controle sobre o filho, como explicar o fato dele ter comparecido ao local do crime que cometeu no dia anterior para me intimidar?
Para nossa total surpresa, o criminoso retornou ainda mais uma vez entrando para uma sala de aula (a mesma em que funciona o curso de massoterapia). O administrador me chamou na minha sala de aula e decidimos chamar a polícia para retirá-lo.
Quando a polícia chegou eu fui inquerido sobre o ocorrido e eles relataram que já conheciam o meliante e sabiam de sua extensa ficha e de quem ele era filho. O que podiam fazer era retirá-lo da sala de aula e que se ele retornasse acionássemos a polícia novamente.
Assim o fizeram. Quando o agressor saiu pelo corredor parou, olhou para mim e disse levantando o braço: “Valeu Leandro Gaffo”. Se isto não é ameaça, não sei o que é.
Nos dias seguintes, pude conversar com as vítimas da agressão colhendo mais informações, com professores e gestores buscando saber que medidas teriam sido adotadas e fazer meu boletim de ocorrência relatando as ameaças e calunias perpetradas.
O que posso dizer é que a instituição demorou a se mover. Quando o fez foi inicialmente com um pronunciamento da reitora nas redes sociais demonstrando claro desconhecimento do que havia acontecido. Inicialmente chamou de “briga em sala de aula” o que claramente foi uma agressão covarde e uma tentativa de assassinato, posta a força e desproporção do agressor.
A reitoria depois voltou atras e lançou uma nota repudiando o ocorrido e dizendo que estaria reforçando a segurança do campus, sem, no entanto, explicar como este reforço se daria e se seria efetivo contra esse agressor especificamente.
Em nenhum momento a reitoria acionou seu corpo de advogados para levar a denúncia do agressor ao Ministério Público Federal ou à Polícia Federal, por exemplo, já que se trata de uma instituição federal e um servidor público federal.
Estamos, portanto, à mercê de um coronel da Polícia Militar e seu filho o agressor abusado que retorna quando quer à cena do crime que cometeu.
Fui dar aula na quinta feira 28, havia apenas 4 alunos e foi aí que percebi que todos estavam com medo. Me tornei alvo e todos que estiverem à minha volta serão alvos também.
Sendo assim, comuniquei à decana do meu curso que a partir dali minhas aulas seriam exclusivamente remotas e que eu solicitaria afastamento das minhas atividades em função da impossibilidade da UFSB em me oferecer segurança mínima para exercer meu trabalho.
Sinto-me parcialmente responsável pelo ocorrido, especialmente no que tange à segurança e saúde dos atacados e ameaçados pelo agressor. Tenho cuidado deles como possível, tanto física quanto psicologicamente, mas isto não basta. Apesar da boa vontade dos gestores do campus, professores e servidores, as agressões e violências são frequentes e várias pessoas já relataram ameaças, não apenas desse agressor em específico, mas também de outros que continuam soltos dentro mesmo da instituição.
Quanto tempo mais teremos de conviver com pessoas que carecem de acompanhamento psíquico? Tenho abordado essa questão desde que aqui cheguei em 2015 e nada foi feito. Limitam-se a apagar incêndios e por panos quentes sem que haja criação e implementação de políticas institucionais sérias a respeito. Iniciativas como o GAMA – Grupo de Apoio Mútuo para a Ansiedade que coordeno, bem como outras iniciativas partem de professores e servidores, sem respaldo algum da instituição que não seja nos obrigar a preencher formulários de editais para conseguirmos uma bolsa para algum estudante participar.
É preciso mobilização bem maior que esta para chegarmos até as pessoas que precisam de apoio, para detectarmos casos graves e perigosos para encaminhamento para que tenhamos um clima menos tenso em os alunos, servidores e professores.
Faço esse relato na esperança de que algo seja feito nessa direção.
Por Prof. Dr. Leandro Gaffo, 31 de março de 2024