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‘Passei 20 anos tentando provar que meu pai era um pedófilo assassino’

10/06/2018 - 13h27

Sandra Brown teve a confirmação de que o desconforto que sentia ao lado de seu pai tinha uma razão: ele molestava suas amigas e outras crianças

No dia 23 de fevereiro de 1957, uma garota de 11 anos, Moira Anderson, saiu da casa de sua avó na cidadezinha de Coatbridge, perto de Glasgow, na Escócia, para comprar gordura para cozinhar. Ela nunca voltou para casa.

“Era uma cidade muito pequena, onde todo mundo conhecia todo mundo. Então, era seguro deixar as crianças fazerem o que quisessem. Depois do desaparecimento de Moira, tudo mudou”, relembra Sandra Brown, que tinha oito anos na época e morava a algumas ruas da família dela.

“Os pais diziam: ‘não fique fora até tarde, lembre do que aconteceu com aquela garota’. Todo mundo ficou triste pela família, sabíamos que a mãe continuava colocando um prato na mesa para ela, que nunca reapareceu.”

Na época, a suspeita recaiu sobre membros da família de Moira. Especulava-se que tivesse havido uma briga e que alguém tivesse perdido a paciência com ela.

“Seu tio, que a havia levado para tomar um chá naquele dia, foi alvo de boatos por muito tempo, porque teria sido a última pessoa a ver a menina”, diz.

Sandra, no entanto, acredita firmemente que seu pai, Alexander Gartshore, estuprou e matou a menina – e há cerca de 20 anos luta para comprovar essa hipótese e encontrar seus restos mortais.

Predador de crianças

Cerca de dois meses depois do sumiço de Moira, o pai de Sandra, que era motorista de ônibus na cidade, de repente saiu de casa, sem dar maiores explicações.

“Me disseram que ele estava em um tipo de hospital que crianças não podiam visitar. E eu aceitei isso. Mas, aos 36 anos de idade, descobri por acidente que ele estava preso por estuprar minha babá, que era uma menina de 12 ou 13 anos.”

Quando já vivia em outra região da Escócia, Sandra foi reconhecida por uma antiga vizinha, que se lembrava de seu pai e, sem saber, fez a revelação que mudaria sua vida.

“Naquele momento, muitas coisas começaram a fazer sentido, porque eu nunca me senti muito confortável perto do meu pai dos 5 aos 8 anos”, conta.

“Meu pai tinha um carro, coisa que não era comum na época, e usava isso como atrativo para as crianças. E os pais das minhas amigas não viam problema em deixá-las sair para dar uma volta comigo e com meu pai.”

“Mas aí ele me mandava comprar doces ou sorvetes. E agora percebo que havia sinais de que minhas amigas não estavam se sentindo confortáveis quando eu voltava. Ele as estava molestando. Eu me lembro delas me dizendo depois: ‘Não posso mais brincar com você, meus pais não deixam’.”

Moira Anderson tinha 11 anos quando desapareceu, depois de sair para comprar gordura de cozinha

‘Bonita demais para o seu próprio bem’

O pai de Sandra chegou a voltar a viver na casa da família após a prisão, mas os dois perderam o contato depois que ele fugiu com uma amante.

A menina tornaria-se professora e uma mãe superprotetora com os filhos, receosa do que aconteceu com suas amigas – e com Moira – pudesse acontecer também com eles.

“Eu tirei até licença para dirigir micro-ônibus para que eu mesma pudesse levar meus filhos nos passeios e piqueniques da escola e estar lá com eles”, diz.

A escocesa só voltou a encontrar o pai em 1992, no funeral de sua avó. E, ao confrontá-lo sobre seu comportamento, teve mais uma revelação inesperada.

“Nossa conversa já estava desconfortável, mas, de repente, ele falou de Moira e perguntou se eu me lembrava dela. Eu disse que sim. E aí fiquei sabendo que, na verdade, ele foi a última pessoa a ver Moira, porque ela tinha subido no ônibus dele no meio da tempestade de neve que aconteceu naquele dia”, conta.

“Foi tão chocante que demorou alguns minutos para que eu entendesse, mas eu estava determinada a conseguir respostas. Perguntei se ele conhecia Moira, e ele disse que não. E quando eu o perguntei se ele foi questionado pela polícia na época, ele disse que sim. Mas nunca tinha dito aquilo.”

Sandra entrou em contato com a polícia e conseguiu rever o arquivo do antigo caso, que ainda era considerado apenas como “desaparecimento”.

“Quanto mais falávamos sobre o caso, mais ficava claro que meu pai não havia sido questionado na época e não aparecia na investigação original”, diz.

Só em 2010, depois de muita insistência, ela conseguiu que a polícia considerasse o sumiço de Moira como um assassinato na nova unidade de Cold Cases (algo como “casos antigos que não foram resolvidos”, em tradução livre) criada pela força policial.

Seu pai, no entanto, havia morrido quatro anos antes, em 2006, aos 86 anos. “Eu consegui vê-lo pela última vez cerca de uma semana antes de ele morrer. Foi muito difícil. Eu queria que ele tirasse essas coisas do peito dele, pedi que ele pensasse na família de Moira”, relembra.

“Ele deu desculpas horríveis, mas, em determinado momento, disse: ‘Ela era bonita demais para seu próprio bem’. E depois falou que aquela criança o ‘assombrou durante toda a vida’.”

Naquele ano, Sandra publicou o livro Where There is Evil (“Onde Existe o Mal”, em tradução livre), no qual fala de sua crença de que seu pai havia matado a menina.

Busca pelos restos mortais

Com o tempo, outras lembranças da infância fizeram com que Sandra tivesse mais convicção da responsabilidade do pai no sumiço e na morte de Moira Anderson.

“Eu tinha memória de vê-lo perto do parque onde todo mundo brincava. E uma vez ele estava tentando atrair duas meninas para seu carro com doces. Eram Moira e sua melhor amiga. Essa amiga está viva e confirmou para mim que isso realmente aconteceu”, afirma.

“Também sei que o banco de trás do ônibus dele deitava, o que não era comum nos outros carros. Havia uma alavanca na frente que ele podia puxar. E ele costumava brincar com as pessoas, puxava a alavanca e elas caíam para trás.”

Depois de reabrir o caso, os policiais entraram em contato com outras testemunhas em Coatbridge e fizeram uma linha do tempo precisa das últimas horas de Moira – até o momento em que ela entra no ônibus dirigido por Alexander Gartshore.

Em 2014, a polícia escocesa afirmou que o pai de Sandra era o principal suspeito da morte da menina e que, caso ele estivesse vivo, seria preso e acusado do crime.

“Está claro que ela entrou e nunca saiu dali. A última peça do quebra-cabeças é encontrar seus restos mortais”, afirma.

Em entrevista ao programa de rádio Outlook, da BBC, em maio deste ano, Sandra disse que uma nova testemunha apareceu, com uma possível pista de onde o corpo de Moira Anderson pode ter sido colocado após sua morte. A polícia está investigando um túnel em desuso na região.

A professora escocesa também criou a Fundação Moira Anderson, para apoiar pessoas que foram diretamente afetadas pelo abuso sexual de crianças – seus familiares e cônjuges.

“Eu me atenho a algumas das boas memórias que tenho do meu pai, até os cinco anos de idade. Mas infelizmente, pesa mais o comportamento que ele teve depois. Isso me fez ser alguém que alerta as pessoas para que elas ouçam o que as crianças têm a dizer”, afirma.

“É difícil quando a pessoa é um membro da família, você não quer confrontar a verdade. Mas quando você faz isso, a jornada que começa pode ser muito importante”, conclui.


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