Odebrecht cita Dilma, Temer e Aécio, mas Planalto vê alívio
BRASÍLIA — Numa prévia do impacto a ser desencadeado no mundo político com a divulgação da delação premiada da Odebrecht na próxima semana, os primeiros depoimentos de ex-executivos no processo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reforçaram as suspeitas sobre doações em caixa 2 para a chapa Dilma-Temer. O testemunho do empreiteiro Marcelo Odebrecht, na quarta-feira, em Curitiba, envolveu o nome da ex-presidente da República, revelou mais detalhes sobre repasses ao PMDB do atual presidente Michel Temer e atingiu o senador Aécio Neves, do PSDB, partido autor do processo que pede a punição da chapa vencedora na disputa presidencial em 2014.
No depoimento à Justiça Eleitoral, Marcelo Odebrecht negou ter tratado diretamente com a ex-presidente Dilma Rousseff sobre ajuda financeira para a campanha, mas afirmou que ela sabia dos pedidos de contribuição por meio de “interlocutores”. O empresário contou ter dado ao PT, de 2008 a 2014, cerca de R$ 300 milhões. Esse dinheiro, explicou, era depositado em uma conta que era inicialmente acessada pelo ex-ministro Antonio Palocci e, posteriormente, pelo ex-ministro Guido Mantega. Parte dos recursos doados não teria sido registrada na Justiça Eleitoral. Dilma divulgou nota classificando de mentirosas as acusações contra ela.
Marcelo Odebrecht também falou de Temer. Revelou que o pagamento de R$ 10 milhões ao PMDB foi acertado em dois encontros com o ministro Eliseu Padilha. Sobre o jantar com Temer, disse que o presidente não mencionou valores. O Planalto considera que a versão de Marcelo confirma o que vinha sendo divulgado pelo governo.
Em relação a Aécio, Marcelo disse ter se reunido pelo menos três vezes com o senador, que, na reta final do primeiro turno, pediu uma doação de R$ 15 milhões. O empresário considerou o valor muito alto, mas depois concordou. Não ficou claro se os R$ 15 milhões foram doados legalmente ou por meio de caixa 2. De acordo com o “Jornal Nacional”, o empresário se classificou de “otário do governo”.
Também em depoimento ao TSE, o ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura Benedicto Junior, segundo a GloboNews, disse que repassou valores de caixa 2 em 2014 ao PSDB a pedido de ajuda. O desembolso teria sido feito em dois momentos. Na primeira vez, foram R$ 6 milhões para apoiar três candidatos: Antonio Anastasia, Pimenta da Veiga e Dimas Junior.
Segundo Benedicto Junior, outros R$ 3 milhões foram repassados para a empresa responsável pelo marqueteiro da campanha presidencial de Aécio em 2014, Paulo Vasconcellos.
A assessoria de Aécio divulgou nota, na qual afirma que “como dirigente partidário” o senador solicitou “apoio para inúmeros candidatos de Minas e do Brasil a diversos empresários, sempre de acordo com a lei”.
DILMA ROUSSEFF
Delação. No depoimento que prestou à Justiça Eleitoral, Marcelo Odebrecht negou ter tratado diretamente com a ex-presidente Dilma Rousseff sobre ajuda financeira para a campanha dela. Segundo uma fonte que teve acesso à oitiva, ele foi questionado ao menos três vezes se a petista pediu pessoalmente dinheiro, e a resposta foi sempre “não”. No entanto, Marcelo Odebrecht afirmou que Dilma sabia dos pedidos de contribuição para financiar, fora dos registros oficiais, sua campanha por meio de “interlocutores”, sem citar quem seriam essas pessoas.
Repasse. Marcelo contabilizou ter dado ao PT de 2008 a 2014 cerca de R$ 300 milhões. Esse dinheiro, explicou, era depositado em uma conta que era inicialmente acessada pelo ex-ministro Antonio Palocci e, posteriormente, pelo ex-ministro Guido Mantega. Explicou, segundo relato de uma fonte ao GLOBO, que o dinheiro servia “campanhas” e “assuntos que interessavam ao PT”.
Outro lado.
Em nota, a ex-presidente afirmou que “é mentirosa” a informação de que ela teria pedido recursos a Marcelo Odebrecht ou a qualquer outro empresário, ou tenha autorizado pagamentos a prestadores de serviços fora do Brasil ou por meio de caixa dois nas campanhas de 2010 e 2014. O texto nega ainda que tenha indicado o ex-ministro Guido Mantega para pedir recursos para as campanhas.
MICHEL TEMER
Delação. No depoimento ao TSE, Marcelo afirmou que tratou do pagamento de R$ 10 milhões ao PMDB do presidente Michel Temer com Eliseu Padilha duas vezes, uma antes e outra depois do jantar com Temer no Palácio do Jaburu, em maio de 2014. Na ocasião, Temer era vice-presidente e candidato à reeleição. Marcelo chamou Temer de “um dos caciques do PMDB” e contou que a doação foi feita para atender ao seu “grupo político” e não, necessariamente, à campanha.
Repasse. Na primeira conversa com Padilha, dias antes da visita de Marcelo e do ex-diretor da Odebrecht Cláudio Melo Filho ao Jaburu, Padilha pediu ajuda financeira para as campanhas do partido e ficou definido que seria de R$ 10 milhões. Ficaram de acertar por qual empresa os recursos seriam disponibilizados ao PMDB. No jantar, após a saída de Temer, segundo contou Marcelo, ocorreu a segunda conversa com Padilha para tratar da doação. Nesse encontro, Marcelo disse que os recursos sairiam da Odebrecht Infraestrutura.
Outro lado.
Comunicado da Secretaria de Comunicação da Presidência afirmou que na campanha de 2014, o PMDB recebeu oficialmente R$ 11,3 milhões da Odebrecht e da Braskem, braço petroquímico da construtora. O Planalto afirma que as doações foram legais e registradas junto ao TSE.
AÉCIO NEVES
Delação. Ao falar sobre pedidos de dinheiro para a campanha de 2014, Marcelo disse que se reuniu três vezes com Aécio Neves. Na terceira, na reta final do primeiro turno e com o crescimento de Marina Silva, Aécio apelou por doação de R$ 15 milhões. O empresário afirmou que recusou o pedido, alegando que o valor era muito alto. Em seguida, Aécio pediu repasse a “aliados políticos”. Marcelo concordou em colaborar.
Repasse. Segundo Marcelo, o repasse seria acertado entre Sérgio Neves, ex-diretor da empresa em Minas, e Oswaldo Borges da Costa, espécie de tesoureiro informal de Aécio. Um relatório da PF da 26ª fase da Operação Lava-Jato, a Xepa, aponta repasses de R$ 15 milhões a “Mineirinho”, codinome atribuído a Aécio, entre 7 de outubro e 23 de dezembro de 2014. Os valores constam nas planilhas apreendidas na Odebrecht e na casa da secretária Maria Lúcia Tavares, do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, o chamado “departamento de propina”.
Outro lado.
Em nota, o PSDB afirma que “em nenhum momento Marcelo Odebrecht disse ter feito qualquer contribuição de caixa dois à campanha do partido em 2014, o que ficará demonstrado após o fim do sigilo imposto às declarações feitas ao TSE”.
PAULO SKAF
Delação. Marcelo Odebrecht contou que após o encontro preliminar que teve com Eliseu Padilha, antes do jantar com Temer no Palácio Jaburu, foi procurado por Paulo Skaf, que concorria ao governo de São Paulo pelo PMDB. Ouviu do candidato o pedido de R$ 6 milhões para a campanha.
Repasse. Segundo seu depoimento, Marcelo disse que ajudaria, mas que o dinheiro deveria sair dos R$ 10 milhões acertados com Padilha. Skaf teria respondido ao empresário que se entenderia com seus companheiros de partido. “Deixa comigo”, disse Skaf a Marcelo. O delator afirmou que veio a saber depois que Skaf recebera do valor prometido. O empresário não soube dizer quanto chegou ao peemedebista, mas contou que ao ser cobrado por Skaf, respondeu que ele estava ganhando “um crédito”. Segundo Marcelo, este crédito foi pago meses depois da campanha de 2014 a Duda Mendonça, que o procurou a pedido de Skaf.
Outro lado.
A assessoria de Paulo Skaf afirmou que todas as doações recebidas pela campanha ao governo de São Paulo “estão devidamente registradas na Justiça Eleitoral, que aprovou sua prestação de contas sem qualquer reparo. Paulo Skaf nunca pediu e nem autorizou ninguém a pedir qualquer contribuição de campanha que não as regularmente declaradas”.
PARA PLANALTO, DEPOIMENTO SOB MEDIDA
Para um governo que se vê envolvido em turbulências políticas quase que diariamente, a quinta-feira foi um dia sem sobressaltos no Palácio do Planalto. O depoimento de Marcelo Odebrecht ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) seguiu o roteiro divulgado à exaustão pelo Palácio do Planalto. Fosse ensaiado com os advogados de Temer, a oitiva do ex-presidente da empreiteira não teria sido melhor.
O empresário deu detalhes do jantar no Palácio do Jaburu, em que foi recebido por Temer, contou ter ouvido um genérico pedido de ajuda financeira, sem detalhar valores, e tratado de amenidades. Um “shake hands”, como o herdeiro da maior construtora do país descreveu, poupando o presidente de maiores complicações.
O depoimento foi recebido com alívio no Planalto e acompanhado do discurso de que Marcelo apresentou “os fatos reais”. Partindo do princípio palaciano, da idoneidade do depoente, o que ele falar a partir de agora deve ser entendido como verdade às vésperas da divulgação das 78 delações feitas por ele e outros ex-diretores da empreiteira.
Poupado Temer, o empresário trouxe à luz informações novas sobre os R$ 10 milhões pedidos pelo ministro licenciado Eliseu Padilha (Casa Civil) para as campanhas do PMDB, especificamente para o grupo político do “cacique” Temer, nas palavras de Marcelo. Disse que o acerto dos valores e por qual empresa o dinheiro seria doado foi feito com Padilha, numa conversa anterior ao jantar, e outra no Jaburu, mas depois que o presidente foi para os seus aposentos.
De tesoureiro informal do PMDB, Padilha virou o escudo do presidente. Por isso, quando o assunto é o ministro licenciado da Casa Civil, as avaliações são feitas com cautela. Sobre os R$ 10 milhões, a explicação está na ponta da língua: sim, foi doado até mais dinheiro do que isso, exatos R$ 11,3 milhões das empresas Odebrecht e Braskem para as campanhas dos peemedebistas próximos a Temer, tudo registrado, alegam, na Justiça Eleitoral.
Em vez de adjetivar como frágil ou complicada a situação de Padilha, auxiliares presidenciais defendem que ele seja ouvido e tenha amplo direito de defesa. Lembram que não há nenhuma denúncia contra ele e, com isso, ele está fora da linha de corte estabelecida por Temer: de afastar temporariamente ministros que forem denunciados na Lava-Jato, e demitir os que virarem réus.
O que realmente preocupa o presidente é que Padilha é um dos últimos comensais do Jaburu que ainda não foi abatido em campo e o mais importante politicamente em meio à votação das reformas no Congresso. Aos auxiliares próximos, Temer deixou claro que não há (ainda) nenhum motivo para deixá-lo na chuva.
Fonte OGLOBO